02 fevereiro 2021

 

a mar | 02.02.2021


| Existem os que respeitam tanto o mar que preferem contemplá-lo à distância. Existem os que não conseguem sair de suas margens mas se perdem dentro dele. Também há quem tema a sua vastidão. Outros ainda, com o mar tem suas mágoas.

Eu nasci um filete de água doce no topo de uma montanha. Fui descendo pelas curvas que o chão me ofereceu. Parei em alguns buracos, achando que era lagoa. Me choquei em muita pedra. Fiquei turva e enlameada. Me precipitei algumas vezes. Noutras preferi evaporar. Já fui chuva e como chorei.

A mar, fui conhecendo aos poucos. Cheguei no oceano ainda com mania de separação. Mas toda tentativa de ficar em pé na base errada, ela me derrubava. Dela já lavei caldo, rasteira e tapa na cara. Oferecia flores e me diverti com ela, mas só consegui abrir meu corpo e deixar ela me tocar, quando me ensinou a confiar em mim e a participar. Fez do meu vacilo, fundura. E da minha arrogância, espuma.

Precisei fazer muito silêncio e me isolar pra aprender a escutar. Hoje em dia, eu não preciso nem estar na mar, para ouvir ela sussurrar. 

Foi ela quem escolheu “com o corpo inteiro” para nome do meu primeiro romance. Ainda que eu hesitasse, “é isso mesmo”, ela dizia , “todo corpo é uma concha”. 

Hoje percebo que a força que fazia as palavras despencarem montanha abaixo era justamente o medo de acabar no mar. Obrigada Iemanjá, por abraçar tudo aquilo que não sou (um) eu. 

As imagens foram captadas e editadas pela Elizabete Martins Campos em Boiçucanga um ano atrás, no segundo lançamento do livro e aniversário de Iemanjá, organizado com ajuda da Lourdina Jean Rabieh, Cris Takuá e Marina Mancuso na Kaaysá art residency. Coisa boa é ter amigas!





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